Marcus Ottoni
“Preocupado com as eleições de 2006, quando pela primeira vez entrará numa disputa sem o "monopólio da ética", o PT cobra de Lula maior frouxidão nos gastos públicos para realizar obras nos Estados e vitaminar projetos eleitorais de seus candidatos.”
KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online
Léo Sodré
Travessa do Tesouro ligava a rua da Conceição à rua Nova
Danichristinni
“As ruas e praças que protegiam o Grande Ponto tinham nomes líricos: Praça da Alegria, hoje Padre João Maria; Praça das Laranjeiras; Rua do Fogo, hoje Padre Pinto: Rua Nova, hoje Av. Rio Branco; Rua da Palha, hoje Vigário Bartolomeu. Mais parecia o Vaticano, com o devido respeito. Por pouco, o Grande Ponto não virou Praça São Pedro. Para isto, resistiu heroicamente. Rua da Estrela; travessa do Tesouro, que ligava a rua da Conceição à rua Nova. E, plagiando Bandeira, como eram lindos os nomes das ruas da minha infância...”
José Maria Guilherme
“Na Rua da Palha, atual Vigário Bartolomeu, existia o Cantão da Potiguarânia, nome de um bilhar de Ezequiel Wanderley. Era o Cantão mais descontraído da cidade, freqüentado na sua maioria por jovens, que trocavam idéias sobre arte, literatura, jornalismo, tudo, enfim, que no momento atraísse a atenção da cidade. Freqüentavam religiosamente este Cantão: Uldarico Cavalcante, Antônio Marinho, Gothardo Neto, Sebastião Fernandes, Ferreira Itajubá, Pedro Melo, Aurélio Pinheiro, Cícero Moura, Celestino e Segundo Wanderley, José Pinto, Francisco Palma, entre outros.”
João Gothardo Emerenciano
À sombra de frondosas árvores, os Cantões
Antônio Fagundes
Os costumes de uma época enraízam-se de tal modo no espírito humano que se tornam uma característica.
Somente a evolução através do tempo poderá tornar-se agente transformador, substituindo os antigos por novos hábitos, na sociedade.
Em sua residência, o Vigário Bartolomeu costumava receber os amigos, à tardinha, na calçada, à sombra da própria casa, segundo hábito daqueles tempos em Natal, cidade provinciana. Ali, eram dispostas cadeiras constituindo as tradicionais “rodas” para as “prosas”, hoje denominadas “bate-papos”, as quais se prolongavam até certas horas da noite.
Essas “prosas” eram comuns nas calçadas das principais residências da cidade, ou à sombra de frondosas árvores existentes nas praças, destacando-se a do “Cantão da Matriz”, sob majestosa gameleira da Praça da Alegria, hoje padre João Maria, próxima à Matriz, e a da “Botica”, situada à rua do Comércio, hoje rua Chile, formada na farmácia do Dr. José Gervásio de Amorim Garcia, político em evidência naqueles tempos. Eram elas os pontos de reunião dos principais da terra, onde se tratava de assuntos de interesse político-sociais.
No “Cantão”, reuniam-se os que obedeciam à chefia política do padre João Manoel de Carvalho, sendo freqüentadores assíduos, além de outros, o comendador Joaquim Guilherme de Souza Caldas e o coronel Felinto Elísio de Oliveira Azevedo. O da “Botica” era chefiado pelo Dr. Tarquínio Bráulio de Souza Amaranto. Nele, encontravam-se os Garcia – José Gervásio de Amorim Garcia, proprietário da farmácia e parentes, inclusive Francisco Amintas da Costa Barros.
Nessas “rodas”. passavam-se em revista os acontecimentos da cidade e do país, sociais e políticos, quando não constituíam mero passatempo entre amigos, no relato de anedotas, na decifração de charadas ou tornando-se oportunas para as partidas do jogo de gamão ou de dama.
Os casos políticos eram nelas ventilados, analisados, discutidos e consertados os planos, enquanto (...) surgiam os planos para os conluios político-partidários. Dir-se-ia que elas bem sintetizavam a vida social da cidade. (...)
In O Vigário Bartolomeu (Traços Biográficos). Natal, 1976.
O carnaval na Rua da Palha
Umberto Peregrino
Quando comecei a me entender de gente, o carnaval de Natal era na rua da Palha (hoje Vigário Bartolomeu), no trecho compreendido entre a rua Ulisses Caldas e a praça do padre João Maria. Instruirei os que não conheceram Natal desse tempo. Era um trecho de uns 300 metros, em moderado declive, as casas todas residenciais, distendidas inteiriçamente no alinhamento da rua.
As janelas numerosas, à razão de cinco ou mais por casa, eram observatórios privilegiados e ficavam sempre repletas. À calçada, punham-se cadeiras que dilatavam a área de conforto dos moradores da rua da Palha...
E, assim, brincava-se uma brincadeira quase inocente, que consistia em circular rua acima, rua abaixo, distribuindo confetes e seringadas de lança-perfume. Quase todos procuravam acertar o jato de lança-perfume na vista uns dos outros, pelo que as crianças se apresentavam em geral protegidas com uns óculos tipo aviador.
Havia abundância de mascarados com a preocupação do engraçado. Podia ser que nem sempre despertassem o nosso riso abundante, mas bem que mereciam uma comovida admiração esses bravos foliões. Como deviam padecer sob as cômicas caracterizações que escolhiam: às vezes, conduziam objetos mortalmente incômodos; outras vezes, afivelavam máscaras martirizadoras como enormes cabeças de bichos; por vezes, ainda, enfiavam roupas antigas, pesadas e sujas, sob as quais suavam em profusão. E havia, também, os que adotavam disfarces raciais e, então, se tisnavam densamente.
Sinceros e resolutos foliões! Para eles, o carnaval era uma breve oportunidade em que podiam dar vazão a sua sopitada vocação crítica.
O que havia, porém, de mais expressivo no carnaval de Natal ao meu tempo de menino, era o misterioso “Zé Pereira”. Misterioso, sim, porque provinha de um clube de rapazes da sociedade, os quais saiam à rua uma única vez por ano, no sábado de carnaval, à meia-noite. Partiam do Natal Clube e percorriam toda a cidade num bonde especial, que, àquela época, os automóveis eram raros e precários.
Lá em casa, os meninos eram postos a dormir na hora do costume, às 7 horas, mas, em verdade, ficávamos numa vigilante excitação íntima. Até meia-noite, todavia, o sono já nos havia vencido, de sorte que quando estalavam os clarins do “ Zé Pereira” e o bonde se movimentava na nossa rua, bem perto do Natal Clube, éramos levados à janela tontos de sono, olhos pesados, mente turva.
O “Zé Pereira” passava rapidamente, era uma imagem breve e confusa. O que se prolongava era o ressoar da sua música; era, sobretudo, o bombo predominante. E durante os três dias, todos entoavam os versos do “Zé Pereira”:
“Viva o Zé Pereira,
Que hoje à rua sai.
Quem não come, cheira;
Quem não tomba, cai:
Zimbararal! Zimbararal!
Viva o carnaval!
In Crônica de uma cidade chamada Natal. Editora Clima. Natal/RN, 1989.
EVOCAÇÃO DA CIDADE DO NATAL
José Bezerra Gomes
Beco da Lama, o maior
do mundo,
tão grande que parece mais uma
rua...
Cidade do já teve, de boêmios
seresteiros,
que não alcançei...
Lourival Açucena (Lorênio),
o poeta Ferreira Itajubá,
regressando, de manhã, cedinho,
das últimas noitadas,
cheias de serenatas,
lapinhas e pastoris,
vestido de fraque, segundo dizem,
com uma enfieira de caranguejo
dependurada no dedo da mão,
ali na antiga feira da Tatajubeira...
Onde estão os teus vendedores de
vendagens?
-rolete de cana...
-tapioca de côco...
-cuscuz de milho...
-bolo de pé de moleque...
E os teus turcos prestamistas?
que se foram das Rocas e do
Alecrim,
com os seus baús de miudeza,
para a Rua das Lojas
da Ribeira, Cidade Alta...
Cadê o teu Porto do Padre?
de-frente do Paço da Pátria,
com os teus canoeiros,
com os teus boteiros,
com as tuas negras louceiras
lá de Barreiros...
-urinóis...
-xícaras...
-mealheiros...
tudo era feito de barro...
Em todas as bodegas,
para todos os paladares,
bastavam dois vinténs de
meladinha,
com parede de camarão...
Nos domingos, dias santos,
apanhava-se caju, madurinho,
no tempo das matas ensombradas
das Quintas e do Goitizeiro
com muita fartura de
-cajá...
-mangaba...
-pitomba...
Do Canto do Mangue,
das salsas águas do Potengi amado,
abriam velas os teus Jangadeiros,
para, lá fora da costa, em alto mar,
ferrarem os peixes de linha:
-xaréu...
-cioba...
-cavala...
E os teus becos, Natal, tão teus?
-O Beco da Tatajuba,
ali pertinho do velho Cais da
Praticagem,
ali pertinho do velho cais Tavares de
Lyra
(com um ipsilon)
lembrando velhos embarcadiços,
um dia ancorados no teu porto...
-O Beco do Engole, de nome tão
gozado,
sem falar no Beco da Lama, o maior
do mundo,
tão grande que parece mais uma
rua...
Natal, cidade do já teve,
te-queremos assim mesma,
com um palácio que já foi
presidencial,
onde passou a funcionar o Wander
Bar,
em plena Rua do Comércio...
Natal, te-queremos com todos os
teus recantos:
a Areia Preta, o Areal, a Limpa.
com a Fortaleza dos Três Reis
Magos...
Lagoa Seca,
a Bica da Telha, a Baixa da Coruja...
O Carrasco,
o Cemitério Novo,
transformado, até bem pouco
tempo,
num grande campo de futebol...
José Bezerra Gomes foi um grande poeta e escritor de Currais Novos
NABECH
Dannielli Christinni
Apelido é assim: se chamar e o cara queimar ruim, começa a circular, circular, circular.
Chamaram-no de Letícia, sei lá porque, talvez pelo diadema que prende seus cabelos, e ele nem ligou. Depois, veio novo apelido, posto que dono de bar nunca se livra das pilhérias dos bêbados que vai deixando pelas mesas cheias de garrafas vazias: Siquilhim. Ou seria o efervescente e vitamínico C Ceklim?
O fato é que, dizem, uma turma andou por Caicó e lá deparou-se com personagem folclórica da cidade e alguém percebeu semelhança fisionômica.
E não deu outra: de Letícia a Siquilhim foi um pulo.
No Festival Gastronômico do Beco, o Pratodomundo, anunciados quatro pratos finalistas, o melhor percurso para a Comissão Julgadora era iniciar a degustação final pelo Bar de Nazaré.
O ponto etílico da Cel. Cascudo fervilhava, como, aliás, todo o Beco da Lama e suas adjacências.
A comissão entra e ninguém do bar acena com um Boa Tarde ou coisa que o valha, Nazaré enfurnada na cozinha, sem nada perceber.
- Siquilhim, a Comissão Julgadora está aí para o deguste final...
- E eu com isso? Ela que espere, porque estou ocupado, atendendo outros fregueses.
- Siquilhim, é a Comissão julgadora do Pratodomundo, homem de deus! Arrume aí uma mesa para o pessoal.
- Para mim, são todos iguais...
É claro que o quesito atendimento conta pontos para julgamentos dessa natureza.
Passada a festa, primeiros colocados ficando para Mãinha, Seu Pedrinho e Nazaré, esta inconformada com o terceiro lugar, Dunga chega ao bar e proclama:
- Por mim, o terceiro lugar ficaria com Lula Belmond, do Bardallos; o quarto com Dona Francinete e só o quinto lugar eu daria ao Bar de Nazaré... O atendimento aqui não tem sido dos melhores, com esse menino dando coices em todo mundo: bruto como Nasi e extemporâneo em suas respostas descabidas como Pedro Abech. Uma mula a distribuir impropérios a todo mundo, julgando-se o gênio da humanidade, como Franklin Serrão.
Da mistura, saiu novo apelido: Nabech. Combinação de Nasi com Abech.
E, esquecido de Letícia, Siquilhim agora queimou ruim.
- Nabech, me traga uma outra dose!
- Nabech o quê, filho da puta! Vamos acabar logo com isso, enquanto não dou um bofete num!
- Nabech, sai aí um carneirinho tipo à la Salão (Sales Felipe): magro, só no osso...
Enquanto o silêncio da Hora do Ângelus é interrompido pelo espocar dos rojões em comemoração ao início da festa de Nossa Senhora da Apresentação, nossa padroeira de Natal, Nazaré vem do balcão à rua, onde está nossa mesa, e inicia intimidativo carão:
- Lá em casa, nunca permiti que se apelidassem as pessoas. Isso é falta de respeito, falta de educação. Paulo Eduardo mesmo, quando era menino, não gostava quando o chamavam de “Circular”. Foi difícil convencê-lo de que essa coisa de apelido é apenas brincadeira. Brincadeira, mas que irrita as pessoas, não sendo, portanto, coisa para gente civilizada.
E voltou para a cozinha de cara amarrada, mais amarrada do que a de Nabech, o enredeiro, enquanto o apelido começava a circular, circular, circular...
Alex Lemos